O futuro da Seleção Feminina pós ''geração Marta''

Os 120 minutos tensos de Le Havre surpreenderam as francesas. Favoritas, em casa, elas esperavam uma partida mais controlada. Mas o que se viu em campo foi talvez um dos melhores jogos da Copa do Mundo. O Brasil soube se colocar bem diante de um rival forte e superou algumas de suas fragilidades.

Na ótica das jogadoras, a Seleção levou ao campo ”garra, vontade e coragem”. Mas acabou perdendo por 2 a 1, no segundo tempo da prorrogação. Ficou evidente que, no futebol atual, a vontade em campo ajuda e muito. Porém, para se obter o resultado efetivo e de longo prazo precisa mais do que isso.

Após a eliminação, o Brasil ouviu um apelo de Marta para a nova geração, pedindo mais profissionalismo das jogadoras mais novas. Houve também clamor de outras atletas por um olhar mais atento com a base e o desenvolvimento dos clubes no Brasil. É um momento-chave na continuidade da modalidade.

“Não vai ter uma Formiga para sempre, uma Marta, uma Cristiane. O futebol feminino depende de vocês para sobreviver. Pensem nisso, valorizem mais. Chorem no começo para sorrir no fim”, desabafou Marta após a eliminação para a França.

O que fizemos na última década?

Formiga e Cristiane não jogarão outra Copa. Marta ainda não sabe se ficará para mais um ciclo.

Há 12 anos, a Seleção era vice-campeã no Mundial de 2007. Marta e a geração mais vitoriosa do futebol feminino do país subiam ao pódio com uma faixa pedindo apoio. A sensação que fica nesta Copa do Mundo é que, apesar de tudo que a geração delas fez, o Brasil demorou para se mexer e desperdiçou a oportunidade de fazer bem mais. Sobretudo no desenvolvimento dos talentos que tem espalhados e talvez perdidos pelo país.

“É óbvio que a gente perdeu muito tempo para fazer. Com aquela geração que a gente teve, de 2004 até 2008, era o momento ideal para começar a lapidar outros talentos. Continuar a crescer o futebol feminino. Aquela geração passou. Era um time brilhante. Infelizmente, a gente perdeu o momento de aproveitar aquela grande equipe para dar o apoio necessário. Começar de logo cedo”, disse Marta, após a eliminação do Brasil.

E agora?

Algoz nas oitavas, a França talvez seja um bom exemplo de trabalho a longo prazo – como Inglaterra e até a Espanha. Seleções que tinham menos tradição que o Brasil no futebol feminino, mas que trabalharam duro na última década no fomento da base e dos torneios nacionais. Não por acaso a base do Lyon, hexacampeão da Europa, está na seleção anfitriã do Mundial.

“O trabalho não vai fazer efeito em meses. São coisas que acontecem em anos e anos. Se a França hoje está no momento dela, é porque essas meninas jogam juntas há 300 anos. Inclusive, é a base do Lyon. Enfim, é um trabalho contínuo. Não dá para fazer em curto prazo”, analisou Marta.

Marta, Cristiane e Formiga (em sua sétima Copa!) não são eternas e não iam ficar para sempre na Seleção. Como Pretinha, Daniela Alves, Roseli e tantas outras também tiveram que se despedir. O desabafo de Marta foi direcionado às jogadoras mais novas, pedindo profissionalismo. Deu a entender que as jovens atletas precisam valorizar mais o caminho construído por sua geração.

O discurso é partilhado também por Cristiane, que antes mesmo do início da Copa já havia apontado em entrevistas a preocupação com o futuro da Seleção. Após o jogo, Marta explicou que sua crítica não era específica a algumas colegas, e sim falando do futebol brasileiro de modo geral. De como é feito o trabalho também nos clubes nacionais.

– Hoje, estamos vendo que as coisas estão melhorando. Não podemos negar. Olho para trás e vejo que melhorou bastante, que nem sempre a gente valoriza isso como deveria. É isso que a gente precisa colocar na cabeça dessas meninas. É um apelo. A gente quer cobrar, mas também tem que ser cobrada. No sentido de melhorar, se cuidar, treinar e viver como atleta. Vai dizer que não tomo uma cerveja? Tomo. Na hora que é conveniente – afirmou a camisa 10.

E a CBF?

No discurso das atletas pós-jogo, a entidade que rege o futebol brasileira foi poupada de críticas. Por mais que atualmente se tenha uma estrutura profissional e um tratamento correto às atletas, esse processo foi, de fato, considerado tardio, com percalços e decisões equivocadas pelo caminho.

Base e campeonato brasileiro

Só recentemente se tornou obrigatório aos clubes a formação de times de futebol feminino. Não por acaso as atletas brasileiras estão espalhadas jogando em ligas de diversos países, o que atrapalhou muito o processo de preparação da Copa. O Brasil também demorou muito para organizar campeonatos de base para a busca de talentos – apenas este ano terá um torneio sub-20 local.

A imensa maioria das atletas que hoje representam a seleção brasileira sequer tiveram formação em categorias base. Iniciaram suas trajetórias jogando nas ruas, nos campos de grama sintética e até nas areias das praias do país.

Sobre o trabalho do técnico Vadão, alvo de contestação pelos resultados antes da Copa, o futuro é incerto. Questionado após o jogo, o treinador disse que a permanência está nas mãos da CBF.

“Quando retornei, recebi o convite, a CBF fez um ciclo até a Olimpíada, porque é em seguida. Cabe ao presidente analisar o que aconteceu, ver se é válida a continuidade ou não. (…) A gente entende que houve um certo grau de desgaste, mas o presidente bancou nossa permanência e, embora não tenhamos passado, acho que fizemos uma Copa, dentro de campo, muito boa. Agora cabe à direção tomar a atitude que achar melhor, cabe a pergunta ao Marco Aurélio (diretor da seleção) e à CBF”, disse Vadão.

Com a eliminação, as atletas brasileiras deixam a França nesta segunda-feira. Com uma campanha marcada por muitas lesões e desfalques importantes, o Brasil foi eliminado fazendo jogo duro diante das donas da casa. O gol de Amandine Henry saiu apenas no segundo tempo da prorrogação.

Fonte: GE