Máfia italiana usa procissões e faz papa se articular para dissociar imagem

O Vaticano faz um movimento importante para reforçar o combate às máfias italianas. Segundo procuradores entrevistados pelo UOL, o papa Francisco quer dar um basta na utilização de imagens santificadas por esses grupos criminosos.

Nos últimos anos, Francisco deu diversas declarações contra as máfias italianas, mas, agora, escreveu um documento e pediu que padres não baixem a guarda para mafiosos, sobretudo no sul da Itália. Tradicionalmente no mês de setembro, procissões tomam as ruas da Calábria, região do sul do país e berço da ‘Ndrangheta, tida por investigadores europeus como a maior organização criminosa do mundo atualmente.

A procuradoria antimáfia da Itália tem relatos documentados e investigações que apontam que, desde, pelo menos, 2010, integrantes e chefes da máfia participam ativamente dessas procissões. Muitos deles são devotos. Inclusive, chefes costumam usar a imagem de Maria na frente de suas mansões. Mas os que não são, segundo procuradores, usam o evento religioso para gerar empatia social.

Reuniões sob os olhares da Virgem Investigações italianas apontam, também, que, anualmente, no santuário de Polsi, em Aspromonte, na mesma região da Itália, os principais líderes da ‘Ndrangheta se encontram e, sob os olhares da Virgem Maria, discutem os orçamentos do ano anterior e planejam novas ações criminosas. Esse contexto fez o papa Francisco se pronunciar neste mês para tentar dissociar a imagem da Virgem da máfia.

No dia 20 de agosto, ele enviou uma carta para a Pontifícia Academia, especializada em estudos marianos, defendendo a “libertação da Virgem Maria” da influência das máfias. O papa também pediu que os padres locais se comprometam a não aceitar atitudes erradas, que incluem mafiosos em atos religiosos. Segundo a agência de notícias AFP, Francisco escreveu: A devoção mariana é um patrimônio religioso-cultural que deve ser resguardado em sua pureza original, libertando-se de superestruturas, poderes ou condições que não atendam aos critérios evangélicos da justiça, liberdade, honestidade e solidariedade.

A hierarquia da Igreja se preocupa com o fenômeno identificado pelo Vaticano como “espiritualidade distorcida”, quando mafiosos e criminosos rendem homenagens aos santos. Estas manifestações são mais comuns no sul da Itália —berço não só da ‘Ndrangheta, mas também das máfias Cosa Nostra e Camorra, entre outras— e na América Latina. Papa dedica jornada de estudos sobre o tema Para tentar frear a utilização de imagens santificadas por criminosos, o papa discutir o assunto em uma jornada de estudos com autoridades religiosas e instituições públicas na Itália, no dia 18 de setembro.

Os organizadores esperavam chegar a “respostas eficazes” para uma “operação de conscientização cultural”. O presidente da Pontifícia Academia Mariana Internacional, Stefano Cecchin, disse à AFP que a figura da Virgem Maria é usada por organizações criminosas em todo o mundo para “subjugar as pessoas, para torná-las escravas”.

Em outras ocasiões, o uso de imagens e santos pela máfia já incomodou autoridades italianas e a Igreja. Em procissão realizada na cidade de Oppido Mamertina, na Calábria, em 2014, a imagem de Virgem Maria parou e foi reverenciada na frente da casa de um dos principais chefes da ‘Ndrangheta. A polícia, que acompanhava o ato, se retirou do local após a reverência, assim como o bispo local. Naquele mesmo ano, na cidade de Vibo Valentia, uma tradicional procissão chegou a ser cancelada após investigadores terem identificado líderes da máfia que iriam levar a imagem da santa pelas ruas do local.

Em reação, à época, o papa Francisco afirmou no Vaticano, para cerca de 100.000 pessoas que acompanhavam seu sermão, que “os mafiosos não estão em comunhão com Deus, estão excomungados”. Um ano depois, em Nápoles, sul da Itália e reduto da máfia Camorra, ele voltou a condenar organizações que “exploram e corrompem os jovens, os pobres e os desfavorecidos”. E, na Sicília, reduto da máfia Cosa Nostra, disse: “Você não pode acreditar em Deus e ser um mafioso. Quem é mafioso não vive como cristão, porque blasfema com sua vida o nome de Deus”.

Fonte: Luís Adorno – do UOL, em São Paulo