Órgãos do governo federal negaram acesso ao conteúdo de pelo menos 323 documentos que são considerados públicos. São todos papéis que perderam o sigilo, de acordo com a Lei de Acesso à Informação (LAI). O levantamento foi feito nos últimos cinco meses pelo Projeto Sem Sigilo, que reúne pesquisadores, advogados e jornalistas.
O projeto levantou resultados de treze órgãos federais, solicitando milhares de documentos “desclassificados”, ou liberados para acesso. Quase a metade dos documentos pedidos permaneceram em sigilo: foram 899 solicitações, das quais 323 rejeitadas.
Houve ainda órgãos que alegaram excesso de trabalho para publicar os papéis, e fizeram sugestões ao método de pedido para informações — estes casos foram ignorados na contagem.
Marinha é o órgão que mais coloca documentos em segredo
Segundo dados da Controladoria Geral da União (CGU), os órgãos federais colocaram em sigilo 73.281 documentos apenas entre junho de 2017 e junho de 2018. A maior parte pela Marinha, que protegeu nada menos que 70.035 papéis. Em segundo lugar, ficou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), com 910 informações.
Os pesquisadores do projeto solicitaram acesso a 16 mil documentos da Marinha. O comando militar pediu que fossem feitas apenas 15 solicitações por mês. Ou seja, para a sociedade conhecer todos os documentos, seriam necessários 88 anos.
O comando militar que “as informações que constam no site da Marinha do Brasil como ‘desclassificadas’ servem apenas como parâmetro para que o cidadão possa identificar o documento que necessita e solicitá-lo à Organização Militar responsável pelo seu tratamento e custódia”. No entanto, negou restrição de acesso e disse que basta às pessoas irem pessoalmente às unidades da Força.
Raio-X dos pedidos – Excluindo-se Marinha e GSI, que alegaram excesso de trabalho, projeto solicitou cópia de 769 documentos, mas 323 foram negados – Ao todo, foram 16.899 solicitações, sendo 97% negadas.
Órgãos consultados:
- Itamaraty: 87 documentos, todos negados
- Abin: 175 documentos, todos negados –
- GSI: 130 documentos, todos negados
- Marinha: 16 mil documentos, todos negados
- Ministério da Ciência e Tecnologia: 50 documentos, 48 negados
- CGU: 12 documentos, 8 negados e 4 liberados
- AGU: 7 documentos, sendo 2 negados, 1 liberado parcialmente e 4 liberados
- Banco Central: 29 documentos pedidos, 2 negados
- Ministério da Defesa: 400 documentos pedidos, só 1 negado
- Ministério das Minas e Energia: 4 documentos desclassificados; todos liberados
- Ministério da Indústria e Comércio (extinto): 2 documentos, todos liberados
- Ministério da Infraestrutura: 1 único documento; liberado
- Secretaria de Governo: 1 único documento; liberado
Itamaraty sequer localizou papeis
Pela Lei de Acesso à Informação, os órgãos devem informar em seu sites quais documentos estão colocando em sigilo, revelando apenas um resumo do tema tratado e o número de identificação. São os chamados papéis “classificados” como reservados, secretos ou ultrassecretos, cujo segredo varia de cinco a 50 anos. Quando esse prazo termina, os documentos são “desclassificados”, ou seja, liberados ao público.
Isso não vem ocorrendo, e não é exclusividade do governo Bolsonaro. Já aconteceu no governo de Michel Temer (MDB). Em setembro de 2017, a CGU, comandada pelo ministro Wagner Rosário, deu razão à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e ao GSI para negar papéis já desclassificados. A assessoria do GSI disse que documentos estão liberados à sociedade, “exceto as impossibilidades previstas na Lei”.
O Itamaraty, por exemplo, disse aos pesquisadores do Projeto Sem Sigilo que os documentos não podiam ser localizados e entregues. A justificativa foi que apenas o número informado no próprio site do Ministério das Relações Exteriores não permitiria encontrá-los. A pasta não prestou esclarecimentos à reportagem.
“Exceções são criteriosas”, diz CGU
A CGU diz que a regra é a publicidade e que procura “garantir” a “máxima divulgação” dos papéis, embora haja exceções. “A CGU, como órgão garantidor da Lei de Acesso à Informação, observa o princípio da máxima divulgação quando da análise dos pedidos, inclusive nas instâncias recursais”, informou ao UOL, em nota. “Portanto, as exceções a esse direito são criteriosas e muito bem fundamentadas.”
Em fevereiro, o Congresso derrubou decreto do governo que tentou simplificar o sigilo de documentos, ampliando o número de pessoas capazes de classificar papeis como reservados.
“Colocar em sigilo informações que não deveriam estar traz grandes problemas à sociedade”, afirma Maria Vitória Ramos, coordenadora do Projeto Sem Sigilo. Relatório da ONG Artigo 19 sobre o tema afirma que “o sigilo está longe de ser exceção no Brasil”.
Projeto Sem Sigilo é coordenado pela agência sem fins lucrativos Fiquem Sabendo. Reúne 16 voluntários, entre pesquisadores de universidades, advogados e jornalistas de vários veículos de comunicação. A pesquisa continua em andamento.
Fonte: Uol