Testemunhas de Bolsonaro divergem sobre intenção golpista do ex-presidente

O Supremo Tribunal Federal (STF) já ouviu quase todas as testemunhas arroladas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no processo que apura uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

Até então, a maior parte das testemunhas falou de um Bolsonaro abatido pela derrota das eleições e pronto para entregar o governo.

Nesta sexta-feira (30), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), focou no estado emocional do ex-presidente após o pleito de 2022 e negou que o ex-presidente tenha cogitado uma ruptura institucional.

"Jamais. Nunca. Assim como nunca tinha acontecido durante meu período no ministério, da mesma forma, nesse período em que eu tive presente com presidente na reta final, nas visitas que fiz, nas conversas que eu tive, jamais tocou nesse assunto, jamais mencionou qualquer tentativa de ruptura. Presidente estava triste, resignado”, disse Tarcísio.

O senador e ex-ministro da Casa Civil Ciro Nogueira (PP-PI), que ficou responsável por coordenar a transição de governo, negou qualquer tentativa de Bolsonaro de atrapalhar o processo. “Foi tudo dentro da normalidade, o presidente em nenhum momento quis obstaculizar qualquer tipo de situação”, afirmou o Nogueira.

Segundo o senador, a ordem para iniciar a transição foi dada pelo próprio Bolsonaro como forma de encerrar manifestações e bloqueios em rodovias realizados por caminhoneiros que eram contrários ao resultado da eleição.

Ouvido na última semana, o ex-vice-presidente e atual senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) também teve depoimento similar ao das outras testemunhas. Segundo ele, todas as reuniões das quais participou com Bolsonaro após as eleições trataram somente da transição entre governos.

“No dia seguinte à nossa derrota, estive no Palácio do Planalto. Falei [a Bolsonaro] que entraria em contato com [Geraldo] Alckmin para me colocar à disposição, de modo que tivéssemos uma comunicação com o governo eleito. Falei também com Ciro Nogueira para que ele iniciasse a liderança da transição, mostrando claramente que Bolsonaro estava pronto para entregar o governo para o presidente recém-eleito”, disse.

Já na primeira semana de depoimentos, porém, duas das testemunhas – que também foram arroladas como depoentes de acusação pela Procuradoria-Geral da República (PGR) – confirmaram que Bolsonaro estudou medidas de exceção e discutiu uma minuta para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Ex-comandantes das Forças Armadas

Os ex-comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Força Aérea Brasileira (FAB), Carlos de Almeida Baptista Júnior, apesar de terem apresentado versões diferentes sobre alguns temas, disseram o mesmo sobre Bolsonaro e reuniões de teor golpista.

Freire Gomes afirmou ao STF que o ex-presidente apresentou a ele e a outros militares documentos de “estudos” para possivelmente decretar Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou um estado de defesa.

Segundo ele, porém, os textos tinham base na Constituição Federal e ele não recebeu ordem direta de execução. Disse que, em reuniões, alertou o então presidente sobre os riscos de adotar medidas sem respaldo legal e afirmou que, caso isso ocorresse, o Exército não participaria.

O ex-comandante da Aeronáutica, por sua vez, confirmou que houve apresentação de uma minuta com teor golpista aos comandantes das Forças Armadas e reuniões para planejar um suposto golpe de Estado com a presença do ex-presidente.

Baptista Júnior afirmou ainda que um “brainstorming” foi realizado em uma das reuniões, e que a prisão do ministro Alexandre de Moraes chegou a ser cogitada.

Na próxima segunda-feira (2), ainda será ouvido o ex-ministro do Desenvolvimento Regional e senador Rogério Marinho (PL-RN). Arrolado por Bolsonaro, será a última a última testemunha no processo.

Ação contra Bolsonaro

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal tornou réus, em março, Bolsonaro e outros sete aliados no âmbito da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

Bolsonaro é acusado de cinco crimes:

  • Organização criminosa armada;
  • tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
  • golpe de Estado;
  • dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo à vítima;
  • e deterioração de patrimônio tombado.

Se condenado, Bolsonaro pode pegar até 39 anos de prisão. O processo está na fase de instrução criminal, um momento de produção de provas perante o Judiciário. Com o fim da escuta de testemunhas, acusação e defesa serão intimadas e terão o prazo de cinco dias para requerer diligências complementares, ou seja, novas investigações ou medidas consideradas necessárias.

Após esse momento, Moraes marcará os interrogatórios dos réus.