Juízes federais vão receber um penduricalho salarial que pode custar até R$ 1 bilhão aos cofres públicos. A cifra foi estimada por técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) e equivale ao pagamento retroativo do chamado adicional por tempo de serviço (ATS). Extinta havia 17 anos, a regalia voltará a ser paga e, por decisão monocrática do corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luis Felipe Salomão, de forma retroativa. Assim, magistrados mais antigos irão receber até R$ 2 milhões cada, referentes ao alegado pagamento atrasado.
A decisão beneficia todos os magistrados federais que ingressaram na carreira até 2006. A cada cinco anos de trabalho, eles tiveram o salário turbinado em 5%. Um juiz que ingressou na magistratura na década de 1990, por exemplo, teve o contracheque inflado em 30%. Ou seja, passou a ter direito a receber a mais cerca de R$ 10 mil todo mês por causa do benefício. Hoje, um juiz federal tem salário-base de R$ 33,6 mil, sem considerar os penduricalhos.
Além disso, em razão da decisão da Corregedoria Nacional do CNJ, o pagamento será equivalente a todo o período entre 2006 e 2022 em que o adicional ficou suspenso. O TCU acaba de calcular o montante bilionário para cobrir os retroativos.
O benefício é alvo de processo na Corte de contas, que apura se a liberação do pagamento retroativo fere os princípios da moralidade e da legalidade ao criar um mecanismo que pode levar a enriquecimento na magistratura. O bônus deve beneficiar parte dos 2 mil magistrados federais em atuação no País – juízes de primeira instância e desembargadores dos Tribunais Regionais Federais (TRFs). Em São Paulo, pelo menos 200 juízes iniciaram a carreira antes de 2006. No Distrito Federal, outros 200 estão na mesma condição.
O procurador Lucas Furtado, do Ministério Público junto ao TCU, que investiga a concessão desse extra aos juízes, afirmou que o objetivo do processo é avaliar se o benefício fere a legalidade ao distribuir cifras milionárias a magistrados do País. “No serviço público, uma pessoa pode trabalhar a vida inteira e nunca chegar a receber R$ 1 milhão, por exemplo. O objetivo, portanto, é verificar se o pagamento atende aos princípios da razoabilidade e da legalidade”, disse Furtado.
Quando restituiu a medida, o CJF não soube estimar o impacto financeiro da decisão no orçamento. Agora, estimativas feitas pelo TCU apontam que a Justiça Federal já gastou cerca de R$ 130 milhões com os pagamentos retroativos e reconheceu outros R$ 750 milhões de benefícios atrasados que serão pagos mediante disponibilidade orçamentária.
Voto vencido
A presidente do CJF, ministra Maria Thereza de Assis Moura, que também preside o Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi contra a recriação do adicional na época, mas acabou vencida pela maioria do colegiado. A magistrada, então, recorreu à Corregedoria Nacional de Justiça, pertencente à estrutura do CNJ, para que o órgão dissesse se havia ou não impedimento formal para o início do pagamento aos juízes.
O corregedor Luis Felipe Salomão não barrou a medida e, em despacho monocrático, liberou o pagamento retroativo. Ele alegou que só poderia ir contra o pagamento se houvesse uma ilegalidade no benefício. “Havendo manifestação oriunda do Conselho da Justiça Federal, no exercício de suas competências constitucionais, não é atribuição da Corregedoria Nacional exercer controle de legitimidade sobre suas decisões, ressalvada a hipótese de flagrante ilegalidade”, escreveu Salomão.
“Não se observa nenhuma circunstância que obste o seu prosseguimento em relação ao pagamento dos valores retroativos, nos exatos termos do acórdão proferido pelo Conselho da Justiça Federal, que deve ser cumprido sem ressalvas, inclusive quanto à sua consideração como gratificação de acúmulo”, defendeu o corregedor nacional de Justiça.
Cascata
A decisão individual de Salomão gerou efeito cascata em tribunais de todo o País, inclusive estaduais, que desde o ano passado deflagraram movimentos para reinserir o ATS em suas folhas de pagamento. A volta do benefício segue roteiro semelhante em vários Estados brasileiros.
As associações apresentam requerimentos de implementação do adicional e a direção dos TJs locais acata os pedidos que privilegiam a própria categoria. Foi assim, por exemplo, no Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), onde o presidente Paulo Sérgio Velten Pereira atendeu à demanda apresentada pela Associação de Magistrados do Maranhão (AMMA), sob o argumento de “reconhecer o direito adquirido à incorporação do ATS no subsídio” dos juízes.
No despacho, Pereira cita que a Coordenadoria de Pagamentos da Corte apresentou estimativa inicial de R$ 90 milhões para cobrir o retroativo referente ao período até 2022. O desembargador explica na decisão que a liberação dos recursos está fora da programação normal do orçamento de 2023 e só deve ocorrer por meio de suplementação ou sobras orçamentárias. O tribunal possui atualmente R$ 6 milhões em sobras, que, segundo Pereira, podem “ser utilizados para amortizar parte do passivo” com os magistrados.
Fonte; Estadão