“Compra de vacinas por empresas é imoral”, critica fundador da Anvisa

A compra de vacinas contra a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, pela iniciativa privada centraliza um novo embate no controle da pandemia. Enquanto o governo federal e parte do Congresso defendem a liberação, especialistas em saúde são contra.

Uma dessas vozes é a do médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) Gonzalo Vecina. Idealizador do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, e fundador e presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entre 1999 e 2003, ele considera a possibilidade uma “imoralidade”.

O texto do projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados na última terça-feira (6/4) permite que empresas comprem vacinas contra a Covid-19 para imunizar funcionários. A proposta mantém a exigência de doação dos imunizantes ao SUS (no mesmo montante do comprado para uso particular), mas permite que firmas usem cota privada enquanto governo ainda vacina grupos prioritários.

A preocupação da comunidade médico-científica é que a liberação crie um abismo na imunização. Enquanto o governo tenta comprar doses para acelerar a imunização de grupos prioritários, que têm mais risco de morrer em caso de adoecimento, empresas poderiam vacinar outros públicos. A conta não fecha. Não há produção mundial suficiente para garantir o insumo para a rede pública e a iniciativa privada.

Em entrevista, o médico, com longa carreira na gestão de Saúde, criticou o projeto e fez alertas. “É uma perda de tempo e uma discussão idiota liberar a compra de vacina para empresas. Compra de vacina por empresas é imoral”, sentenciou.

No entendimento de Vecina, a mudança não ajudará o Brasil a acelerar a imunização. “Compra de vacina pelo setor privado é uma imoralidade, é antiético e ignorante. Não vai resolver o problema. Outra ideia de jerico é liberar a compra de vacinas que ainda não tenham o registro da Anvisa”, avalia.

O médico explica que, caso empresas sejam autorizadas a imunizar funcionários, o país terá bolsões de pessoas sem a proteção, o que aumenta o risco de transmissão da doença.

“A fila do SUS é organizada pelo risco de morrer. Se pessoas recebem antes desse público, está usurpando a possibilidade de alguém viver”, salienta.

A legislação atual permite a compra dos imunizantes pela iniciativa privada, mas exige que todo o estoque seja doado ao SUS até que a vacinação dos grupos prioritários seja concluída.

A mudança é defendida pelo novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. “Não é o momento de ficar ‘Ah, porque o privado vai furar a fila’. É preciso parar com isso, vamos nos unir”, declarou Queiroga. Fabricantes afirmam que não pretendem negociar com grupos particulares.

O Brasil ultrapassou 13 milhões de casos confirmados do novo coronavírus e mais de 340 mil óbitos em decorrência da doença.

Até o momento, o Ministério da Saúde aplicou 25 milhões de doses da vacina (entre primeira e segunda doses). Atualmente, o país é o epicentro da doença no mundo.

Fonte: Metrópoles