O Tribunal Superior Eleitoral tomou, ontem, duas decisões que tem tudo para aumentar a tensão entre a Corte e os militares. Na primeira, o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, tirou o coronel do Exército Ricardo Sant'Anna da Comissão de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação por conta da divulgação que ele fez, nas redes sociais, de mentiras sobre as as urnas eletrônicas. Na segunda, o tribunal negou o pedido das Forças Armadas para acessar arquivos de eleições passadas — Fachin disse que não cabe às entidades fiscalizadoras a análise de pleitos anteriores.
No caso do coronel, o ministro encaminhou um ofício ao ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, comunicando a decisão e a pasta deve anunciar em breve outro nome para o lugar de Sant'Anna.
"Conforme apuração da imprensa, mensagens compartilhadas pelo coronel foram rotuladas como falsas e se prestaram a fazer militância contra as mesmas urnas eletrônicas que, na qualidade de técnico, este solicitou credenciamento junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para fiscalizar", salientou Fachin. O documento destituindo Sant'Anna é assinado, também, pelo vice-presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, que vai assumir o comando da Corte no dia 16.
Fachin observa no ofício em que afasta o coronel que "conquanto partidos e agentes políticos tenham o direito de atuar como fiscais, a posição de avaliador da conformidade de sistemas e equipamentos não deve ser ocupada por aqueles que negam prima facie (à primeira vista) o sistema eleitoral brasileiro e circulam desinformação a seu respeito. Tais condutas, para além de sofrer reprimendas normativas, têm sido coibidas pelo TSE através de reiterados precedentes jurisprudenciais".
O Ministério da Defesa justificou-se dizendo que o trabalho na comissão é técnico e "realizado de forma coletiva por seus integrantes, além de ser estritamente institucional". "Sobre o uso de mídias sociais, os militares ficam sujeitos à regulação das Forças. Já no fim de semana passado, o Exército havia decidido selecionar um novo integrante para a equipe em substituição ao atual. Assim que a seleção estiver concluída, o TSE será informado a respeito", afirmou a pasta, por meio de nota.
Prazo expirado
No caso da negativa do tribunal ao acesso de arquivos de eleições passadas, Fachin respondeu a um ofício, remetido pela Defesa, em junho, na qual é solicitada uma série de documentos relacionados às eleições de de 2014 e 2018. Segundo o presidente da Corte, "não possuem poderes de análise e fiscalização de eleições passadas, não lhes cumprindo papel de controle externo do TSE".
Na resposta, o tribunal mostra, ainda, que o acesso aos dados dos pleitos anteriores expirou há muito tempo. No caso da eleição de 2014, o pedido deveria ter sido feito até 13 de janeiro de 2015. Em relação a 2018, até 17 de janeiro de 2019.
Os militares pediram os arquivos das duas votações porque Jair Bolsonaro (PL) acusa, sem provas, que houve fraudes. O presidente sustenta que, em 2018, a chapa dele teria ganhado o candidato do PT, Fernando Haddad, no primeiro turno. Ele também levantou desconfianças sobre a reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2014 — na época, o PSDB contestou a vitória da petista, mas não conseguiu provar qualquer irregularidade.
Documentos
Os militares vêm solicitando uma série de documentos ao TSE, demonstrando estreito alinhamento com as suspeitas sem constatação levantadas por Bolsonaro. E tem cometido vários equívocos, que demonstram desconhecimento do processo eleitoral e do funcionamento das urnas eletrônicas.
Em um dos mais recentes, as Forças Armadas pediram a base de dados dos boletins de urna das eleições de 2014 e 2018. Em resposta, o tribunal repassou um link do Portal de Dados Abertos do TSE, onde as informações estão disponíveis.
Na semana passada, o ministro da Defesa remeteu um ofício ao TSE com o carimbo de "urgentíssimo" pedindo acesso ao código-fonte das urnas eletrônicas. Tais dados, porém, estão disponibilizados desde outubro de 2021 para as entidades fiscalizadoras.
Os militares foram chamados pelo próprio TSE, em 2021, pelo então presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, para participar de discussões sobre as eleições. O gesto foi visto como um distensionamento dentre o tribunal e os militares, e uma forma de tentar amenizar os frequentes ataques que Bolsonaro faz ao processo eleitoral.